terça-feira, 17 de dezembro de 2013

SUBJETIVISMO NÃO COMBINA COM DIREITO!


São frequentes – quem sabe cotidianas – as discussões envolvendo decisões judiciais. Mas, o acerto ou desacerto de uma postura adotada, invariavelmente é fundado em casuísmos, talvez até no sentimento do justo ou injusto.

Este senso comum de Justiça, entretanto, traz pra dentro dos Tribunais e para fora deles (o que dizer dos influentes meios de comunicação), um modelo, que passa pela forma como são decididas as causas. Pense: é possível dizer que algo não foi “legal”, do ponto de vista moral, mas foi “legal”, do ponto de vista jurídico?

Afinal, pergunta-se: como os Tribunais devem decidir? Por raciocínios morais ou por princípios? E mais: o que são princípios? É possível confundir princípios com valores morais?

Muito se fala que princípios são valores... serviriam eles para promover a correção da própria lei? Afinal, se a busca incessante pelo justo é um ideal, os fins justificariam os meios, até porque, inadvertidamente, se diria que se os objetivos são bons e nobres e os meios que usamos para atingi-los também são bons e nobres, então sim, os fins justificam os meios.... Maquiavel viveria!

Um perigo, se princípios são valores, cada qual tem os seus! Ou não? Será mesmo que teríamos a ingenuidade de acreditar em uma moral coletiva, estanque, que não comporta divergências entre segmentos sociais, quiçá, entre indivíduos. Afinal, “sou contra essa regra porque ela é injusta”, mas na verdade poderia se dizer “essa regra é injusta porque sou contra ela”.  

E ainda: se o Direito pode ser corrigido (talvez a melhor palavra fosse desconsiderado) pela política, pela moral, por valores (ou não é isso que por vezes se sustenta?), não é nada estranho que se diga que os Tribunais devem decidir (ou decidem, e isso seria pior!)... por valores! E valores subjetivos... Um caos jurisprudencial que é o pano de fundo que faz com que, v.g., o Novo CPC tenha que legislar impondo (por regras) o respeito ao passado, à integridade, aos precedentes... Como se o respeito ao passado e ao histórico jurisprudencial, fosse algo que coubesse à legislação impor e não à Teoria Geral (bastante enfraquecida, hodiernamente, diga-se de passagem) promover, não por prescrição, mas por constrangimento.

Sustentar tal tese é, por via direta, e não transversa, fragilizar o conteúdo que se espera de uma decisão judicial. O paradoxo é que se ao mesmo tempo em que se espera mais do judiciário, em contrapartida (e aí reside a contradição) assistimos passivamente a substituição das bibliotecas jurídicas por mecanismos de busca de jurisprudência mais modernos. O desprestígio das profissões jurídicas passa por aí: qualquer um (leigo ou não) se arvora na capacidade de buscar, mediante emprego de palavras-chave, ‘jogadas’ no Google a solução jurídica de um caso concreto. Sejamos honestos, quem milita no foro, visualiza diariamente a tomada de decisões genéricas por um magistrado; vê, certamente, alegações ministeriais que servem a qualquer caso e petições, produzidas por escritórios de advocacia, completamente genéricas. São as conhecidas demandas de massa.

Criticamos, mas pouco fazemos para mudar. Ficamos passivos... e depois colocamos a culpa na modernidade, nas facilidades eletrônicas, na judicialização de tudo, etc.

Quantas e quantas vezes, em arrazoados da advocacia, em decisões e em manifestações do Ministério Público, vemos a invocação daqueles juízo de ponderação de princípios; são sacados da manga precedentes judiciais, como se a mera aposição de ementas fosse capaz de conceder, de modo metafísico, a solução para o caso concreto.

Argumentos de política são encontráveis nas manifestações jurídicas lato sensu. O que se esquece é que esse tipo de argumentação, muito embora agilize a prestação jurisdicional (afinal, a reflexão sobre o caso, inegavelmente diminui), traz a reboque o casuísmo e o subjetivismo. Soluções jurídicas assim, podem até produzir manchetes e trazer repercussão política, mas do ponto de vista técnico-científico são reprováveis.

Os princípios ainda são encarados de modo teleológico, quando deveriam ser vistos a partir de critérios deontológicos. E essa advertência é curial, porquanto só assim é viável dar um passo na busca da repulsa a subjetivismos. Não será julgando em atacado e por meio de decisões pré-formuladas que servem a casos quaisquer e não ao individual caso que se escapará do arbítrio.
Ora, os princípios por certo não servem como válvula de escape para o puro e simplório afastamento do Direito. Não é possível que se continue a relegar o poder de decidir em prol do dever de repetir enunciados sem enunciação. Que fique claro, todavia: nada contra aos precedentes como fundamento de decisões e manifestações jurídicas. A contrariedade está em sua forma metafísica de utilização. Em outras palavras: na fundamentação baseada em meros verbetes ou ementários jurisprudenciais, despidas, até mesmo, da análise da íntegra do acórdão originário. O enunciado, insiste-se, não ganha independência do contexto para o qual foi redigido.

Mas afinal, como encarar os princípios? São eles uma espécie de ponto de partida. Um padrão pré-estabelecido que não pode ser flexibilizado por valores subjetivos de quem quer que seja; são contra majoritários. O princípio se sobrepõe a casuísmos, até porque estes não garantem a racionalidade e principalmente a legitimação da decisão. E é por isso que é preciso refutar decisões políticas. As decisões deve ser pautadas em princípios e não em políticas, naquele sentido que Dworkin dá quando assevera que a responsabilidade política dos juízes implica decisões assentadas em argumentos de princípios. O jurista estadunidense salientou, ao versar do Direito como integridade, que, na hipótese de um magistrado identificar determinado padrão como princípio jurídico, tem-se aí uma proposta de interpretação. Parafraseando-o: “o princípio se ajusta a alguma parte complexa da prática jurídica e a justifica; oferece uma maneira atraente de ver, na estrutura dessa prática, a coerência de princípio que a integridade requer (Dworkin, 2003, p. 274)”.

Lenio Streck é incisivo: “Julgamentos por política, no fundo, representam aquilo que hoje vem sendo chamado de consequencialismo: nele o Judiciário não leva os direitos a sério, no sentido de seriously right como fala Dworkin; ao contrário, por vezes nega direitos a pretexto de que a sua efetiva concretização traria maior prejuízo econômico, ou não contribuiria para o bem-estar geral etc. E continua no desenvolvimento de seu raciocínio alertando: “Direito não é moral. Direito não é sociologia. Direito é um conceito interpretativo e é aquilo que é emanado pelas instituições jurídicas, sendo que as questões a ele relativas, encontram, necessariamente, respostas nas leis, nos princípios constitucionais, nos regulamentos e nos precedentes que tenham DNA constitucional, e não na vontade individual do aplicador. Ou seja, ele possui, sim, elementos (fortes) decorrentes de análises sociológicas, morais, etc. Só que essas, depois que o direito está posto – nesta nova perspectiva (paradigma do Estado Democrático de Direito) – não podem vir a corrigi-lo (Streck, Lenio Luiz, 2013)”.

A produção do Direito é algo que está muito além de subjetivismos. Trata-se acima de tudo de um processo complexo. Mais uma vez: é deveras simplificado dizer que a realidade do Direito não emana do texto. Talvez o texto é que, ao ser confrontado com o caso, de modo a ser extraída a correspondente norma, é que deve ser visto a partir do princípio. Não se pode decidir por qualquer adereço ou para qualquer direção. É o irracionalismo decisório que despreza o texto e não o contrário.

Em uma última frase: princípios protegem o Direito e não fundamentam decisões casuísticas e por vezes demagógicas, fruto de subjetivismos!

Autor: LEONARDO ZEHURI TOVAR[1]

References

Dworkin, R. (2003). O império do Direito . São Paulo: Martins Fontes.
Streck, Lenio Luiz. (2013). O Supremo Tribual deve julgar por Princípios ou por Políticas? . Em Constitucionalismo e Democracia (pp. 260-261). Salvador: Juspodivm.






[1] Doutorando e Mestre em Direitos e Garantias Fundamentais pela FDV, Pós-Graduado em Direito Público também pela FDV, Pós-Graduado em Direito Processual Civil pela Faculdade Cândido Mendes de Vitória (ES), MBA em Gestão Tributária e Sucessória pela FUCAPE Business School, Professor de Cursos de Pós-Graduação, autor de artigos e livros jurídicos. Procurador do Município de Vitória (ES), Conselheiro do Conselho de Recursos Fiscais do Município de Vitória (ES), Advogado militante, com atuação preponderante no Contencioso Cível, Tributário e Consultoria.

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