São
frequentes – quem sabe cotidianas – as discussões envolvendo decisões
judiciais. Mas, o acerto ou desacerto de uma postura adotada, invariavelmente é
fundado em casuísmos, talvez até no sentimento do justo ou injusto.
Este
senso comum de Justiça, entretanto,
traz pra dentro dos Tribunais e para fora deles (o que dizer dos influentes meios
de comunicação), um modelo, que passa pela forma como são decididas as causas. Pense: é possível dizer que algo
não foi “legal”, do ponto de vista moral, mas foi “legal”, do
ponto de vista jurídico?
Afinal, pergunta-se: como os Tribunais devem decidir? Por
raciocínios morais ou por princípios? E mais: o que são princípios? É possível
confundir princípios com valores
morais?
Muito se fala que princípios são valores... serviriam eles
para promover a correção da própria
lei? Afinal, se a busca incessante pelo justo é um ideal, os fins justificariam
os meios, até porque, inadvertidamente, se diria que se os objetivos são bons e
nobres e os meios que usamos para atingi-los também são bons e nobres, então
sim, os fins justificam os meios.... Maquiavel viveria!
Um perigo, se princípios são valores, cada qual tem os seus!
Ou não? Será mesmo que teríamos a ingenuidade de acreditar em uma moral
coletiva, estanque, que não comporta divergências entre segmentos sociais,
quiçá, entre indivíduos. Afinal, “sou contra essa regra porque ela é injusta”, mas
na verdade poderia se dizer “essa regra é injusta porque sou contra ela”.
E ainda: se o Direito pode ser corrigido (talvez a melhor
palavra fosse desconsiderado) pela política, pela moral, por valores (ou não é
isso que por vezes se sustenta?), não é nada estranho que se diga que os
Tribunais devem decidir (ou decidem, e isso seria pior!)... por valores! E
valores subjetivos... Um caos jurisprudencial que é o pano de fundo que faz com
que, v.g., o Novo CPC tenha que
legislar impondo (por regras) o respeito ao passado, à integridade, aos
precedentes... Como se o respeito ao passado e ao histórico jurisprudencial, fosse
algo que coubesse à legislação impor e não à Teoria Geral (bastante
enfraquecida, hodiernamente, diga-se de passagem) promover, não por prescrição,
mas por constrangimento.
Sustentar tal tese é, por via direta, e não transversa,
fragilizar o conteúdo que se espera de uma decisão judicial. O paradoxo é que
se ao mesmo tempo em que se espera mais do judiciário, em contrapartida (e aí
reside a contradição) assistimos passivamente a substituição das bibliotecas
jurídicas por mecanismos de busca de jurisprudência mais modernos. O
desprestígio das profissões jurídicas passa por aí: qualquer um (leigo ou não)
se arvora na capacidade de buscar, mediante emprego de palavras-chave,
‘jogadas’ no Google a solução
jurídica de um caso concreto. Sejamos honestos, quem milita no foro, visualiza
diariamente a tomada de decisões genéricas por um magistrado; vê, certamente,
alegações ministeriais que servem a qualquer caso e petições, produzidas por
escritórios de advocacia, completamente genéricas. São as conhecidas demandas de massa.
Criticamos, mas pouco fazemos para mudar. Ficamos passivos...
e depois colocamos a culpa na modernidade, nas facilidades eletrônicas, na judicialização de tudo, etc.
Quantas e quantas vezes, em arrazoados da advocacia, em
decisões e em manifestações do Ministério Público, vemos a invocação daqueles
juízo de ponderação de princípios; são sacados da manga precedentes judiciais, como se a mera aposição de ementas fosse
capaz de conceder, de modo metafísico, a solução para o caso concreto.
Argumentos de política são
encontráveis nas manifestações jurídicas lato
sensu. O que se esquece é que esse tipo de argumentação, muito embora
agilize a prestação jurisdicional (afinal, a reflexão sobre o caso,
inegavelmente diminui), traz a reboque o casuísmo e o subjetivismo. Soluções
jurídicas assim, podem até produzir manchetes e trazer repercussão política,
mas do ponto de vista técnico-científico são reprováveis.
Os princípios ainda são encarados de modo teleológico, quando
deveriam ser vistos a partir de critérios deontológicos. E essa advertência é curial,
porquanto só assim é viável dar um passo na busca da repulsa a subjetivismos.
Não será julgando em atacado e por
meio de decisões pré-formuladas que servem a casos quaisquer e não ao
individual caso que se escapará do arbítrio.
Ora, os princípios por certo não servem como válvula de
escape para o puro e simplório afastamento do Direito. Não é possível que se
continue a relegar o poder de decidir em prol do dever de repetir enunciados
sem enunciação. Que fique claro, todavia: nada contra aos precedentes como
fundamento de decisões e manifestações jurídicas. A contrariedade está em sua forma
metafísica de utilização. Em outras palavras: na fundamentação baseada em meros
verbetes ou ementários jurisprudenciais, despidas, até mesmo, da análise da
íntegra do acórdão originário. O enunciado, insiste-se, não ganha independência
do contexto para o qual foi redigido.
Mas afinal, como encarar os princípios? São eles uma espécie
de ponto de partida. Um padrão pré-estabelecido que não pode ser flexibilizado
por valores subjetivos de quem quer que seja; são contra majoritários. O
princípio se sobrepõe a casuísmos, até porque estes não garantem a
racionalidade e principalmente a legitimação da decisão. E é por isso que é
preciso refutar decisões políticas. As
decisões deve ser pautadas em princípios e
não em políticas, naquele sentido que Dworkin dá quando assevera que a
responsabilidade política dos juízes implica decisões assentadas em argumentos
de princípios. O jurista estadunidense salientou, ao versar do Direito como
integridade, que, na hipótese de um magistrado identificar determinado padrão
como princípio jurídico, tem-se aí uma proposta de interpretação.
Parafraseando-o: “o princípio se ajusta a
alguma parte complexa da prática jurídica e a justifica; oferece uma maneira
atraente de ver, na estrutura dessa prática, a coerência de princípio que a
integridade requer (Dworkin, 2003, p. 274) ”.
Lenio Streck é incisivo: “Julgamentos
por política, no fundo, representam aquilo que hoje vem sendo chamado de
consequencialismo: nele o Judiciário não leva os direitos a sério, no sentido
de seriously right como fala Dworkin; ao contrário, por vezes nega direitos a
pretexto de que a sua efetiva concretização traria maior prejuízo econômico, ou
não contribuiria para o bem-estar geral etc. E continua no desenvolvimento
de seu raciocínio alertando: “Direito não
é moral. Direito não é sociologia. Direito é um conceito interpretativo e é
aquilo que é emanado pelas instituições jurídicas, sendo que as questões a ele
relativas, encontram, necessariamente, respostas nas leis, nos princípios
constitucionais, nos regulamentos e nos precedentes que tenham DNA
constitucional, e não na vontade individual do aplicador. Ou seja, ele possui,
sim, elementos (fortes) decorrentes de análises sociológicas, morais, etc. Só
que essas, depois que o direito está posto – nesta nova perspectiva (paradigma
do Estado Democrático de Direito) – não podem vir a corrigi-lo (Streck, Lenio
Luiz, 2013) ”.
A produção do Direito é algo que está muito além de
subjetivismos. Trata-se acima de tudo de um processo complexo. Mais uma vez: é
deveras simplificado dizer que a realidade do Direito não emana do texto.
Talvez o texto é que, ao ser confrontado com o caso, de modo a ser extraída a
correspondente norma, é que deve ser visto a partir do princípio. Não se pode decidir
por qualquer adereço ou para qualquer direção. É o irracionalismo decisório que
despreza o texto e não o contrário.
Em uma última frase: princípios protegem o Direito e não
fundamentam decisões casuísticas e por vezes demagógicas, fruto de subjetivismos!
References
Dworkin,
R. (2003). O império do Direito . São Paulo: Martins Fontes.
Streck, Lenio Luiz. (2013). O Supremo Tribual deve julgar
por Princípios ou por Políticas? . Em Constitucionalismo e Democracia
(pp. 260-261). Salvador: Juspodivm.
[1] Doutorando e Mestre em Direitos e Garantias
Fundamentais pela FDV, Pós-Graduado em Direito Público também pela FDV,
Pós-Graduado em Direito Processual Civil pela Faculdade Cândido Mendes de
Vitória (ES), MBA em Gestão Tributária e Sucessória pela FUCAPE Business School,
Professor de Cursos de Pós-Graduação, autor de artigos e livros jurídicos.
Procurador do Município de Vitória (ES), Conselheiro do Conselho de Recursos
Fiscais do Município de Vitória (ES), Advogado militante, com atuação
preponderante no Contencioso Cível, Tributário e Consultoria.